Luís Filipe Barros por Bom Norte




Homem simples

A lua acorda sem nunca ter adormecido.
Mostra-se tranquila, igual a muitas outras e por isso torna-se aborrecida.
O calor transporta o sabor do Verão, e o suor salgado marcha pela minha face.
Ar de macho tatuado num rosto cheio de negatividade que contempla o tabuleiro desengonçado de um jogo

Como é que conseguiste fazer isto a mim?
O disco roda sem propósito e deixa a agulha baralhada. Acalmo a música, e as ruas cruzam-se com as vielas revelando por fim os seus becos que me convidam a passar.

Uma mulher segurando o seu bebe dança ao som de uma música não audível para mim.
Rodopiando o seu frágil corpo, envolve-se com o espirito de Maio.
Não vejo nenhum mal nesta sua relação, mas julgo ser possível alterar-lhe a composição.

Desentediada, declama palavras de amor que ninguém entende,
Será por culpa da anatomia da orelha que vive em parelha.
Preocupada pelo tempo que não o vê.
Ouves-me? Consegues-me ouvir?

Entro em contacto com o mundo dos sentidos.
As palavras procuram melodias, fogem como perdidas, refugiam-se depressa demais.
O passado enrola o futuro e ofereço-mo como sendo um presente.
O microfone limou-me o sentimento e amplificou a minha voz.

Descodificou a simplicidade, deixando-a talvez harmoniosa, vaidosa e satisfeita.
Nos acordes de uma viola embalo os martelos de um piano, e soletro só para mim o nome da pessoa que mais amo.

Amor que não se entende,
Amor que se arrasta como um fantasma. Blá,blá,blá que diz tudo.
Mixórdia de palavras que não diz nada.

São pedaços rápidos de uma cançoneta que se apoiou na solidão.
Desligo o microfone e arrumo os auscultadores, mas a melodia persegue-me projectando o seu respeitável eco contra as paredes
São só 33 rpm.
Rotações simples que nunca me deixam abrandar 

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