O meu dia de 25 de Abril de 1974


O dia 25 de Abril de 1974, o dia da revolução. Era 7:00 da manhã quando a minha mãe acordou-me a dizer que só havia carros da tropa na rua, uma vez que o meu bairro ficava junto à estrada Militar e ao Regimento de Engenharia nº 1 da Pontinha onde estavam reunidos os Postos de Comando (PC) do Movimento das Forças Armadas (MFA), com as presenças: - Major Otelo Saraiva de Carvalho, Capitão-Tenente Vítor Crespo, Major Sanches Osório, Tenente-Coronel Garcia dos Santos e o Tenente-Coronel. Fisher Lopes Pires. Mais tarde, vindo de Tomar, juntar-se-ia o Major Hugo dos Santos. O Capitão Luís Macedo, oficial da unidade, garantia a segurança do Posto de Comando. Presente ainda o Major José Maria Azevedo dando apoio ao Posto de Comando. 
Estava tudo muito confuso e pelos militares que lá se encontravam teve início o 25 de Abril de 1974. Mais tarde, foi colocada nessa zona uma lápide a relatar o caso. 
O 25 de Abril de 1974[IA1] começou com indicações em código que só os militares conheciam: A primeira senha, para o início das operações militares a desencadear pelo Movimento das Forças Armadas, foi dada por João Paulo Dinis aos microfones dos Emissores Associados de Lisboa “Faltam cinco minutos para as vinte e três horas. Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74, E Depois do Adeus ..”. A segunda senha para continuação do golpe foi dada pela canção Grândola, Vila Morena, de José Afonso, gravada por Leite de Vasconcelos e posta no ar por Manuel Tomás, no programa Limite da Rádio Renascença, à meia-noite e vinte, sendo antecedida pela leitura da sua primeira quadra. Grândola Vila Morena foi composta como homenagem à "Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense", onde no dia 17 de Maio de 1964, «Zeca» Afonso actuou. 
Contudo, a minha aventura nesse dia começou no transporte do autocarro nº 41 que eu e mais algumas pessoas apanhávamos para os nossos destinos. Destinos esses que foram logo alterados, pois quando chegamos à Praça de Espanha os Militares ocuparam o autocarro e ele mudou o seu trajecto devido à segurança de não se cruzarem veículos em frente ao quartel-general em S. Sebastião. 
Pelo caminho assistíamos a todo o tipo de movimentação militar e civil. Como fomos pela Avenida da República em direcção ao Rossio eram só carros a fazerem barreiras nas ruas de Lisboa e militares a formarem-se, e nós no autocarro com mais uns 3 ou 4 soldados que nos faziam escolta e iam-nos abrindo caminho até ao nosso novo destino. 
As pessoas mais velhas iam perguntando o que se passava aos militares ao que eles prontamente respondiam: “É a Revolução! O Fascismo foi destroçado, agora o povo é que manda”. Imediatamente um Sr. respondeu: “Povo? Mas isto é uma República! Onde será que param o Marcelo e o Américo? Será que é desta que ficou tudo maluco? O que vou dizer ao meu patrão por chegar tarde? Podem se despachar com esta confusão?”, ao que um dos soldados prontamente diz: 
- Tem razão Senhor. Vamos tentar ser breves. 
- Por favor, por favor. Se chego tarde vou ser despedido – disse outra pessoa. 
- É desta que a PIDE vos mata. Vocês são novos, vão para vossa casa, não se metam com eles. E começou a contar histórias e todos que estavam no autocarro começaram a contar a sua experiência de vida. 
Passadas muitas horas e centenas de barreiras chegámos ao Rossio que mais parecia uma concentração dos amigos dos autocarros de 2 andares. Eram autocarros por todo o lado e dali não saíam. 
Bem, lá tive eu que ir a pé até S. Sebastião para ir para a escola e ainda por cima tinha que ir a pé no meio da revolução. Sei que todos os anos os meus vizinhos dizem à minha Mãe que dá na televisão uma foto minha a andar a pé cercado pelos soldados por todo o lado. Eu nunca a vi mas gostava muito de a ver, já tentei fazer várias pesquisas na Internet mas não encontro. Por isso, procurei na Internet e descobri esta foto que se assemelha com o que se passou comigo nesse dia. 
Quando cheguei à escola ela encontrava-se encerrada e como estava situada junto ao Quartel-general tive que ir novamente a pé até minha casa, o que quer dizer que desde a minha saída de casa até à minha chegada à escola já tinham passado umas 12 ou mais horas. Já estavam todos um pouco preocupados, mas como a televisão da época não era como agora, cheia de sensacionalismo, a minha mãe não teve a noção da gravidade. 
Recordo-me que um dia especial e que fui logo para a rua assistir às milícias que andavam pelas ruas do meu bairro com listas de pessoas para desocuparem as casas e serem ocupadas por camaradas que prontamente as ocupavam e punham os haveres do anterior ocupante na rua. 
No salão de festas decorria um plenário sobre informações que as pessoas poderiam dar aos Militares para identificação dos Pides, que eram a polícia do Regime, mais conhecidos por bufos. 
Nessa mesma noite, como é esperado, ninguém dormiu pois era um rodopio de homens que falavam com o meu pai baixinho e a que ele respondia sempre “não tenhas problemas, eu rasgo a folha”. Só mais tarde descobri que o meu Pai tinha ajudado uns tantos Pides que por sinal eram uns pobres coitados que tinham sido arrastados pelo sistema mas que não faziam mal a ninguém, que tinham se inscrito através de alguém que lhes dizia que era seguro ser Pide. 
Entretanto, o meu pai tinha sido escolhido na Câmara onde trabalhava para desocupar os arquivos da Pide e depois transportá-los para um determinado sitio. Sei que o meu pai leu muitas fichas de pessoas que ele desconhecia e que o surpreenderam pela negativa. Mas os que eram maus o meu pai não rasgou a ficha somente disse ao interessado que não teve acesso aos ficheiros e eles tiveram que responder pelo que fizeram, assim somente os justos foram recompensados. 
Antes do 25 de Abril de 1974[IA2] não havia liberdade em Portugal, apenas existia censura, sendo a actividade política, associativa e sindical quase nulas e controladas pela polícia política. Havia presos políticos, pois a Constituição não garantia os direitos dos cidadãos. Portugal mantinha uma guerra colonial e encontrava-se praticamente isolado da comunidade internacional. 
A informação e as formas de expressão cultural eram controladas, fazia-se uma censura prévia que abrangia a imprensa, o cinema, o teatro, as artes plásticas, a música e a escrita. 
A actividade política estava condicionada, não existiam eleições livres e a única organização política e aceite era a União Nacional / Acção Popular. A oposição ao regime era perseguida pela polícia política (PIDE/DGS) e tinha de agir na clandestinidade ou refugiar-se no exílio. Os oposicionistas, sob acusação de pensarem e agirem contra a ideologia e práticas do Estado Novo, eram presos em cadeias e centros especiais de detenção. Não havia Liberdade nem Democracia. 
A Constituição não garantia o direito dos cidadãos à educação, à saúde, ao trabalho, à habitação. Não existia o direito de reunião e de livre associação. 
As manifestações eram também proibidas. Portugal estava envolvido na guerra colonial em Angola, na Guiné e em Moçambique, o que gerou protestos de milhares de jovens e se transformou num dos temas dominantes da oposição ao regime, com especial realce para os estudantes universitários. 
Hoje é difícil imaginar como era Portugal antes do 25 de Abril de 1974. Mas, se pensarmos que, por exemplo, as escolas tinham salas e recreios separados para rapazes e raparigas, que muitos livros e discos eram proibidos, que existiam nas rádios listas de música que não se podiam passar, que não havia acesso a muitas das coisas que hoje fazem parte do nosso dia-a-dia, e que sobre todos os rapazes de 18 anos pairava o espectro da guerra. Será mais fácil compreender porque é que a mudança teve de acontecer e como Portugal se tornou diferente. 
No dia 26 de Abril, há 1 hora e 30 minutos, a Junta de Salvação Nacional apresentou-se ao país perante as câmaras da RTP. Pelas 7 horas da manhã, por ordem do Movimento das Forças Armadas, cujo Posto de Comando se encontra instalado no regimento de Engenharia 1, na Pontinha, o Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, o Presidente da República, Américo Tomás e outros elementos ligados ao antigo regime, são enviados para a Madeira. Às 9 horas e 30 minutos, a PIDE/DGS rendeu-se, após conversa telefónica entre o General Spínola e Silva Pais, director daquela polícia política. 
No dia seguinte, 27 de Abril, foram libertados os presos políticos das cadeias de Caxias e Peniche. E foi apresentado ao País o Programa do Movimento das Forças Armadas. 
No dia 29 de Abril, regressou a Portugal, à estação de Stª Apolónia, o líder do Partido Socialista (PS), Dr. Mário Soares. No dia seguinte, regressou a Portugal, ao Aeroporto de Lisboa, o líder do Partido Comunista (PCP), Dr. Álvaro Cunhal. A manifestação do primeiro de Maio, dia do Trabalhador, reuniu em Lisboa cerca de 500.000 pessoas. Outras grandes manifestações decorreram nas principais cidades do país. No dia 16 de Maio deu-se a tomada de posse do 1º Governo Provisório presidido pelo Dr. Adelino da Palma Carlos. Deste governo faziam parte, entre outras figuras, o Dr. Mário Soares, o Dr. Álvaro Cunhal e o Dr. Francisco Sá Carneiro, líder do Partido Popular Democrático (PPD). As primeiras eleições livres, realizaram-se a 25 de Abril de 1975. Num acto eleitoral com uma taxa de participação de 91.7%, os portugueses elegeram a Assembleia Constituinte, incumbida de elaborarem e aprovar a Constituição da República. 
A 2 de Abril de 1976, a Assembleia Constituinte aprovou a Constituição da República. 
Muita coisa se alterou com o 25 de Abril de 1974, mas a mudança não se efectuou num dia. Foi preciso tempo, empenho, coragem e sacrifícios de muitas pessoas para construir um país diferente onde Liberdade, Solidariedade e Democracia não fossem apenas palavras. Para chegarmos aos dias de hoje, foi necessário aprendermos a viver em Democracia e a saber o significado de tolerância. Passo a passo, dia-a-dia, como acontece connosco, Portugal foi mudando. Ao longo deste caminho, construíram-se partidos e associações, foi garantido o direito de expressão e realizaram-se eleições livres. Vivemos em Democracia. Terminou a guerra colonial, e as antigas colónias portuguesas tornaram-se independentes. Vivemos em paz. A Constituição garante os direitos económicos, jurídicos e sociais dos cidadãos. Hoje, podemos falar livremente, dizer aquilo com que concordamos e o que não apoiamos, integrar associações, viver num novo Espaço Europeu e ter acesso directo ao Mundo sem receio de censura ou perseguições. 
No seu conjunto, a sociedade portuguesa revelou uma grande flexibilidade assim como uma capacidade de adaptação que surpreendeu os que viam sobretudo a rigidez das estruturas e dos comportamentos. Esta espécie de plasticidade foi, por exemplo, demonstrada com o acolhimento rápido e pacífico de umas poucas centenas de milhares de Africanos, Latino-americanos e Asiáticos que estabeleceram residência em Portugal ou adoptaram a nacionalidade. De igual modo, o derrube pela força mas sem violência, do regime autoritário, assim como a ultrapassagem democrática das tentativas anti-revolucionárias, igualmente feitas sem violência, foram sinais da maleabilidade da sociedade. Em contraste com o que se passava na era colonial, há alguns traços multiculturais, facilmente visíveis nas grandes áreas metropolitanas. 
Há vinte anos não havia passe social, nem salário mínimo nacional, nem contratos de trabalho com pagamento de 14 meses de salários, ou seja, o reconhecimento ao direito de subsídio de férias e de Natal. Os cônjuges casados segundo ritos da Igreja Católica não podiam requerer o divórcio aos tribunais civis. O casamento e o divórcio passaram a ser livres, dependendo apenas da responsabilidade individual. 
São conquistas do 25 de Abril, de tal modo inseridas no quotidiano que mal se dá por elas. Às vezes tenho pena de não ter tido uma máquina fotográfica para captar estes momentos e perpetuar para sempre esta revolução

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