Vou dar o salto
Cuspo para as mãos
E atiro a enxada para o lado
Estou farto de cavar a montes
Por isso abandono a minha aldeia em Trás-os-Montes,
Parece fácil mas já estou perdido
Nunca tinha abandonado a minha aldeia
Subo montes e vejo alcateias
E chego à China e à Conchinchina
Sou um cata-vento dos vendavais
Viajante errante que parte em busca de um novo lugar.
Com a mala na mão atravessa a fronteira
Sentinelas do deserto que não me atrevo a desafiar
Vive ao relento à procura de um lar
Luta no meio da tempestade fecha a boca escondendo a verdade
Tão longe são os caminhos que percorre
Massa azeda não levedada
As suas mãos calejadas foram moldadas pela enxada
E afiei as minhas unhas nas rochas que se amontoam
Continuo à procura de uma morada e só encontro a caixa do correio errada
Sem esforço trabalha arduamente e afoga-se na aguardente que o consola
Beija o tempo com uma lambada
Emigrante sim. Mas não sou ignorante
Como as migalhas de uma sociedade capitalista
Egoísta para os ilegais mas que oferece trabalhos legais
Esclavagista que explora os seus iguais
roubando-os cada vez mais
Corro as ruas de Leon e de Nice
Sou um homem sem pieguice
Para traz já há muito abandonou a mala de cartão.
Mala sem espaço. Fruto de muito embaraço
Século xx que o tratou como palhaço
Lavador de pratos escondido com medo dos perigos
Não espera pelo que lhe vão dizer arregaça as mangas e faz o que tem para fazer
Ele vê o que quer ver. E fala o necessário
Mas lembra-se de quem já foi. E tem orgulho de quem é
Escolhe a carta certa. Não joga para perder
Donde e?
Quem é que eu sou?
Sou o filho do meu pai e neto do meu avo!
Piada certeira que atinge o coração de um pais que o ampara como a um irmão
Diz Oui e quer dizer não
Louis Vuitton de ocasião na mão direita e a original na outra mão
Empreiteiro de sucesso que ajuda e estende a mão
Carros. Casas. Avião
Sucesso de um esforço. De uma vida
Em que os ossos são comidos como fossem carne
E em que as mentiras são cobradas como fossem verdade
Errantes nossa senhora peregrina que lhes espalha a voz divina
Perdão de uma nação que os esqueceu
E lhe invejou a sorte infligindo dor num coração que sangra de tanta saudade
Riqueza e fé de um António, Manuel, ou de outro emigrante que comeu mel com sabor a fel
E quem eu sou?
Sou um resto dos aventureiros que parte em ultimo e chega em primeiro.
Alfaiate. Barbeiros. Pedreiros. Cozinheiros
não dormimos de noite porque guardamos o nosso sono para a nossa chegada
E pela saudades que tenho da enxada
Conto ate três e lanço-me a estrada
Mas digo não!
Não ao mal que querem de mim
Não esqueci todos estes anos de partida
Não.
Não quero o mal para mim
E canto.
Encanto a festa da minha aldeia
Espalho as notas pelas pessoas a minha roda
Já viram alguém assim?
Parti sem nada e agora sou o padrinho do orfanato
Gozo agora a com a fama
Sou um narcisista que clama por o estrelato
Sou um choramingas que chora na igreja
Distribuo o dinheiro que me sobeja
Do norte ao Sul um dia voltaremos outra vez
E outros iram embora
Cheguei Maria!
Desculpa cheguei atrasado.
Trabalhei tanto e estou arrasado
Vou-me embora ate para o ano
Desta vez voltarei
Desta vez não te engano
E gosto dos meses de Verão
Afogo as saudades do meu coração
@BomNorte2010
Uma Homenagem aos nossos Emigrantes.
Comentários
.."Até pro ano",,, até...sabe-se lá quando ou se alguma vez mais..! Era assim a vida do emigrante.
A vida corre bem umas vezes, outras nem tanto. Mas, afinal, assim é em todo o lado e com todas as pessoas. Estou a falar de pessoas normais, que trabalham para sobreviver pelos seus meios ou esforço, não dos que não sabem o que a vida custa. Não os invejo, não tem vida própria, são como as plantas parasitas que vivem alapadas noutras, morrem sem conhecer o circuito da seiva.
Pois é, ser corajoso é isso. É ter vida própria, é lutar por ela. É viver!
Um abraço para todos os emigrantes do mundo.