Sete da madrugada desce as escadas. Desamparada
Olhar transmudado. Cabelo descuidado.
Deixei a filha em casa a dormir. E o marido já lá não estava.
Marido? Nunca me lembro de o ter tido.
Vim mais cedo do que o normal. Os meninos estão mal
O Natal está a chegar. E a família é uma miragem
Muitos são fruto de uma vida de vadiagem. Seres que foram abandonados.
Hoje vou enfeitar a instituição A magia da quadra natalícia por vezes faz milagres na vida destas crianças.
Desenhei na minha mão as orientações de tudo.
Por vezes cada recanto desta casa faz-me recordar os rostos dos acolhidos. È essa a forma alegre e festiva do Natal.
A porta serve para dar as boas-vindas a quem nos venha visitar. Por isso penduro sempre lá fora uma bonita coroa de Natal
Círculo da esperança, forma redonda, oval ou pendente;
Corações entrelaçados de meninos que depositam esperança e acreditam no destino.
No exterior irei colocar um pai Natal gigante de rosto rosado.
Rosa das lágrimas e dos sapos que engoliu.
Direcciono o seu olhar no sentido a um Bom Norte
Chamo por ele, e já sei que ele irá espreitar do telhado e afastar o mau-olhado.
Sinto que por vezes aqui só existe leite azedo.
São as más fases da vida.
Uma torcida de um candeeiro antigo que me aflige um castigo
São sementes levadas ao vento. Que teimam em não brotar
Mas para a casa alegrar ainda mais irei montar.
Um presépio gigante, que fará as delícias dos meninos e de quem vem nos visitar
As lágrimas correm-me pela minha pele envelhecida.
Recordar assim tortura-me a alma.
Quem vem nos visitar?
Nunca cá vem ninguém.
E quem cá vem. Nunca mais volta.
È o chorar de um tempo que ignora o calendário.
Mas não estou à espera de encores. Não sou artista
Aqui não existe representação. Só faz falta quem cá esta.
Eles não são bíblias de ninguém.
Aqui não existem apóstolos
Só pessoas reais.
Meninos com nome de gente. Que anseiam por uma mão de veludo.
Alguém decente que os Ame.
Guardam por baixo da sua almofada o livro preferido.
Esperam que alguém tenha a dignidade de um dia lhe ler a sua passagem preferida.
E que desse encontro resulte um novo reencontro.
-Meninos estão na hora de acordarem.
-Hoje vamos enfeitar e escola
-Rafael. Paulo e João onde estão?
Não os ouço? Não os vejo?
-Surpresa. Gritam os vinte em coro.
Saltitam à minha volta e alguns saltam para as minhas costas.
Gritam de alegria. E é assim que começa o meu dia.
Eles são os meus meninos.
E eu sou a sua mãe?
Não deveria ser assim. Não convêm.
Deveriam ter pai. Deveriam ter mãe.
Mas pelo menos têm amor.
Bom Norte ficou aqui para contar a história. E guarda a casa do alto do telhado.
Olha para a frente. Olha para o lado.
Está atento ao som do vento.
E sussurra baixinho as histórias aos meninos que adormecem felizes.
Somente está acordado Rafael que imagina uma família só para ele.
Está triste o petiz. Só eu sei. Ele não o diz.
Mas as pingas que escorrem do telhado. São as lágrimas deste menino acordado.
Uma oferta para todas as crianças que sonham em um dia ter uma família.
E para todas as pessoas que se dedicam a eles, e amam-nos como se fossem os seus filhos
@BomNorte2010
Comentários
Onde estarás tu,será que conseguiste cumprir este sonho acima tão emocionante e detalhadamente contado de ter uma família só para ti???