Na vida tudo sofre transformações, e o pão que conta a verdade
A semente soluça baixinho, magoada e esmagada com as torturas afligidas
Branca é a farinha que se confunde com a neve do meu caminho.
Os sacos da farinha são os meus confidentes, pois é neles que eu afogo a saudade que busca a verdade.
A alma Lusa come o pão da sua amargura, são valentes os que lutam contra o touro, e para recompensar a sua coragem envergam a medalha castanha que se confunde com a do ouro.
Cruz que o homem amassa, sinal da cruz que o marca, são estas massas que as minhas mãos castigam, e suas estas as rugas que a massa me oferece.
A força dos meus braços deixa as mãos dormentes, estou cansado, são tantas as bocas impacientes que tento alimentar.
Roupa branca que contorna o seu corpo, rostos que o calor marcou. Trajado a rigor, luto contra o moinho que me agride com as suas velas.
Pela janela virada a poente a noite espreita. Quer aprender a receita.
Está silenciosa a matreira. Silêncio da noite que resgata a vida.
Confundo-me com o silencio da mesma, e por vezes passo despercebido aos olhares da vizinhança.
Pão pelas alminhas da minha infância, que me deixa os olhos turvos
È a saudade por uma sardinha acamada pelo pão, que me faz crescer água na boca.
As minhas glândulas salivares estão receptivas à minha oferta.
Triste é o pobre que confunde salivar com jantar.
Ou triste é o rico que confunde orgulho com inveja
A sala está cheia de rostos paralelamente dispostos.
Mesa mais bonita é a que o pão deixa composta. Diz a mãe mal disposta.
São as bolas de um trabalho, é este o pó que polvilha a minha sorte
Sofrimento que me faz sofrer, ciência que me nega o doutoramento
Alegre é o padeiro artista que se julga louco. Todos olham, todos reprovam todos fazem pouco.
Mas é a cozedura à maneira antiga que me enche de orgulho, e me faz sentir poeta.
Refugio na solidão do amor, que me faz sentir um calor fustigante numa noite gelada.
Amargo de boca, que me suporta a beata que se evapora em cinzas no cinzeiro.
Os olhos multicolores dos mestres são as flores que o branco pó salpica, e os corações vermelhos são os ramalhetes de massa castanha que a farinha tenta contornar.
Doce é o cheiro que perfuma o ar por inteiro, e doces os odores que me fazem olhar para o céu
Passado que me faz recuar no tempo, e atraso que me faz lembrar, que são tantas as horas que o relógio marcou.
Este é o milagre da multiplicação que o filho admira, mas velho é o pai que a farinha baptizou.
São as dificuldades de uma vida que me fazem a ti recorrer,
Presente que eu devorei, marca numa massa levedada que eu deixei, este é pão que me falta à mesa.
Lisboa dos seus odores, que esconde os seus horrores, pão que dá nas vistas e me recorda conquistas.
Pão que me adoça a boca, deixa recordações num boémio que o comeu no meio da rua.
São estas as migalhas que sujam o chão, marcam a minha roupa discreta,
E torna felizes as portas a que a saudade me conduz.
*Uma texto a pensar nos profissionais de todas as Panificadoras.
Mas em especial para a Panificadora Modelo de Carnide
@BomNorte2011
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