Olhar cabisbaixo, dedos entrelaçados.
Amélia que o vento trouxe.
Ex emigrante de França, mulher de um tempo, ponteiro sobre as doze e minutos que se escondem sob a luz.
Relógio sem ponteiros. Bate, bate e pára.
Encosto-o ao ouvido tentando perceber se ele tem vida.
Sem tempo só para ela, a sua idade perdeu-se nos anos, somente lhe resta a memória.
Lápis que lhe escreve a vida, tinta preta do norte, cabelos de extrema brancura, que o carrapito agarra com doçura
Feições francas em pudor, rugas que lhe escorrem na face e lhe marcam os cantos. Rugas de senhora, filigrana de mulher.
Viveu numa barraca, sonhou com um Challet, mas caminha e serpenteia pelas ruas a pé.
Pé cochicho, devagar e ao saltinho.
Perdeu um salto, nos percalços de uma sandália que lhe refresca os dedos ao relento, sopro de um desnorte.
Quem me dera ser teu confidente. Escutar a voz da tua alma, sentir a vida que guardas dentro do teu ventre. Oferecia-te o sol posicionava a tua face na sua direcção, acompanhavas o astro desde o nascente e dormíamos sob o seu poente.
Condensávamos as nossas lágrimas, criávamos cristais reluzentes.
Reluzir de um brilho nascido de um rei. Reinar num reino que te fazia sorrir.
Sonha Amélia, sonha e torna feliz, toda a nossa gente.
Sonhar é urgente.
Amélia caminha pelas ruas, mulher que é nossa.
Mulher que é gente.
Bom Norte
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Muito sensiveis estas palavras«gostei»