Galgava as ruelas de Carnide.
Os muros feitos com tijolos encarniçados tornavam-se os meus adversários.
No rés-do-chão de um prédio vivia uma amiga secreta.
Amiga essa que me esperava todos os dia e galanteava-me com uma flor do seu jardim.
Pelo gradeamento do seu muro mal distinguia o seu rosto.
Recordo-me também do seu cão que erguia a sua cabeça latindo incessantemente por entre as roseiras que circunvalavam o seu jardim.
Nos dias em que ela não estava tornava-me um vagabundo castigado pela saudade,
Vagabundo de barriga vazia e corpo carregado pelo sentimento.
Sentia nos meus tímpanos as vibrações do rádio da sua cozinha.
As vozes reflectidas pelas paredes eram palpitações que eu tentava a todo o custo separar.
Queria destingir a sua voz.
Sinto saudade das visões que me recordam o estendal de roupa balanceando ao vento.
Roupa esfregada à mão. Movimento incansável de uma barra de sabão que é esfregada furiosamente contra o tanque de cimento.
Mas o meu olfacto vibrava com cheiro do café de cafeteira. Imaginava uma caneca cheia de um negro líquido que liberta um odor que me faz sonhar.
Adoro o movimento circundante da colher metálica lançada contra a cerâmica levemente estalada da caneca.
Imagino um namoro caprichoso de costas viradas.
Um namoro que bate o pé de birra e liberta a borra que me faz franzir o sobrolho.
Sonho com o hoje lembrando-me o ontem e ansiando com o amanhã.
Imagino o fumo libertado pelo café quente que formando um turbilhão vai lambendo suavemente as minhas narinas fazendo-me cerrar os olhos de prazer.
A lembrança vive no meu coração e enche-me de doçuras. As imagens e as vozes de outro tempo esvoaçam sobre o meu pensamento.
Murmuram-me palavras de saudade. E perpetuam-se nas letras que me acordam as lembranças.
Bom Norte
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